Para pensar...

Uma quinta-feira merece trazer a lembrança do aprendizado que tive e tenho tido com clientes, amigos, parentes e todos que cruzam o caminho. Neste processo ouvi uma história interessante sobre o Medo de Gente.

Ela tinha 15 anos, no máximo; ele tinha 17, porque já havia repetido de ano duas vezes, portanto puderam se encontrar. Ele tinha muitas dúvidas sobre se era ou não homossexual, ela tinha dúvidas entre paquerar algum menino bonito da classe ou permanecer uma menina zelosa pela coleção de bonecas e com boa performance num jogo que era comum nas ruas de São Paulo nos anos 70: queimada.

Ficaram amigos. Ela entendia que ele tinha algumas diferenças, mas se sentia segura na companhia dele porque não havia química no ar, eram apenas bons amigos. Ele percebia que ela era ainda menina, e não aplicava jogos de sedução baratos. Podia comentar com ela sobre as novelas e não ser criticado. Passaram a sair juntos quase sempre.

Um dia a mãe dele ligou para a mãe dela e deixou recado:

- A mãe do Reinaldo ligou muito nervosa esta manhã e faz questão que você vá lá na casa dele para terem uma conversa séria. – disse a mãe dela, em tom de ordem.

A menina ficou em pânico, será que a mãe do Reinaldo percebeu que o filho é gay e vai querer tirar satisfação? Será que vai a culpar por ter influenciado, ou não, nesta postura? Vai fazer um escândalo? Vai gritar no meio de todo mundo? Vai bater, perder a cabeça? Vai...?

Antes de ir ligou para Reinaldo.

- Sua mãe ligou e quer que eu vá aí, que que ela quer comigo, meu Deus? – implorou uma resposta ou mesmo uma frase que a fizesse não ir.
- Puts, não sei, mas to cabreiro – foi só o que ele disse.

Ela chegou na hora combinada, a mãe do Reinaldo abriu a porta com a cara fechada, sem um sorrisinho. Mandou ela sentar de um lado da mesa e colocou o Reinaldo na frente. Na cabeceira sentou a mãe.

Nervosa, mãos geladas, ela começou a chorar, primeiro disfarçando e depois quase sem controle. A mãe dele foi direta ao ponto:

- Tá chorando por que, menina?
- Eu não sei – e continuou soluçando, tremendo de medo do que viria a escutar.

A mãe do Reinaldo disparou a conversa:

- Olha, não entendo que raio de amizade é essa sua com o meu filho que é incapaz de ajudar um amigo quando ele está por repetir de ano por conta das notas baixas de inglês, você estuda na mesma classe que ele e não faz nada pra ajudar!

Ela ouviu a frase como um bálsamo de paz no coração, cabeça e todos os lugares do corpo. O choro deu lugar a uma risada nervosa, quase gargalhada, porque ela temia que a mãe puxasse o véu da homossexualidade do amigo, mas o que ela queria era discutir as notas baixas do filho, e por saber que a amiga dominava o idioma inglês, nada mais justo do que propor ajuda escolar!

Reinaldo ficou pasmo; ele tinha como certo que a mãe iria pôr o dedo na ferida, mas foi totalmente diferente. Ele sofreu por antecedência, o que ainda iria acontecer com ele muitas vezes na vida.

Ela relaxou depois dos risos, da suadeira, da dor de estômago e da sensação de alívio. E sempre ficou com a memória da situação que poderia ter sido terrível por conta do medo do que ela achava que a mãe do amigo iria falar, comentar, apontar. Também sofreu por antecedência, coisa que iria se repetir, mas ficou como lição e ajudou-a a crescer e se tornar uma mulher muito mais corajosa não por ser forte, mas por perceber que cada um enxerga a realidade do jeito que melhor convém. Portanto, não haveria espaço para sofrer antecipadamente nem julgar reações com base em seu senso de percepção.

Pegou a bolsa, saiu para a vida e aprendeu a ter menos medo do que viesse para frente no seu caminho, com quem quer que fosse. E assim tem caminhado há pelo menos duas décadas...

Comentários

Sandra Machado disse…
Muito legal a história. Sofremos por antecipação muitas vezes. O filho que não chega, o marido que atrasa e assim vai. Cada vez mais precisamos de equilíbrio.

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