Transformação

Para a Mel

Quando ela surgiu não foi exatamente uma escolha: estava na mão de um homem que já enfrentava dificuldades para se manter, quanto mais a uma cadelinha de sete meses toda estropiada, quadril estourado, magra... daí que quando ele me viu e viu a janela do carro aberta, não teve dúvida: jogou a cadelinha dentro do meu carro.

- Pega pra você que tá procurando a sua e pelo jeito não vai achar mesmo, senão taco ela na zoonoses! – gritou enquanto arremessava a cadelinha pela janela do passageiro.

Ela não fez escândalo, uivou porque a caída dentro do carro, em cima do banco – de couro – deve ter machucado um pouquinho. Mas ela se debateu por menos de um minuto, e ali ficou, parada, meio que esperando o que estava por vir.

Deixei o homem falando sozinho, liguei a ignição e saí dali da Vila Ede direto para o veterinário, e lá ela ficou para ser castrada e “consertada”. Tinha, segundo o Romilton Bacelar, amigo e vet, sete meses.

- Ela nasceu por volta do dia três de agosto – calculou.

Pensei rápido: é leonina!

Vinte e quatro horas depois a cadelinha já era a Mel, por conta dos olhos claros que misturam um jeito de Husky com Fox e com uma linhagem imensa de cães que a antecederam e trouxeram uma memória hereditária que, desde 2006, faz os meus dias brilharem muito mais.

Ela passou por várias cirurgias: para consertar o quadril e as costas – que tinham, literalmente, buracos – depois foi preciso arrancar seis dentes, pois a nova dentição estava encavalada. Houve a castração, que foi simples comparado a todos os outros procedimentos.

Ela ficou linda; ou melhor, ela é linda. Engordou um bocado e ganhou porte, a única memória da época de vacas magras (ou seria ruas magras?) é o rabinho que mais parece guizo de cascavel, mexe só na pontinha.

E o passado, para ela, ficou no passado mesmo; ela se sente a rainha, a verdadeira leoa, me defende até do que não precisa, é ciumenta de carinho, atenção, e é territorialista. Mas tem um carinho dengoso tão gostoso no olhar... sem falar que toca com a pata para chamar a atenção, principalmente quando estou lendo o jornal de manhã.

É fã de sol, de praia, de caminhada procurando cachorros para atiçar latindo para se impor (como se precisasse...). Logo que conhece alguém quer se prevalecer, e faz graça até conseguir pôr a pata sobre a cabeça da pessoa – fingindo que vai fazer carinho – e assim dizer para si mesma “eu tenho o poder sobre você, ó humano animal!”

É a expressão viva de amor e carinho comigo e com quem ela gosta; modestamente, sinto que sou a prioridade no coraçãozinho acelerado que é só dela. E por tudo isso agradeço a Deus àquele homem, e se eu o encontrasse, juro como teria um prazer imenso de dizer o quanto a atitude reflexiva que ele teve me fez tão feliz!

Comentários

***JustMe disse…
Que declaração maravilhosa. Parabéns, mais uma vez um texto incrível!!! Um dia quero um desses.. ;) Beijos

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