Casamentos



Se existe algo que reside na nossa memória antropológica por certo é o casamento. Desde tempos imemoriais o fato de conviver pessoas em casais ou duplas foi firmando como um dos propósitos da vida humana, e com o tempo ganhando novos formatos e expectativas. De certa forma a criança que nasce hoje em pouco menos de dois anos de vida já terá tido informações sobre casamento, relacionamentos, arranjos sociais – seja por observar sua família ou por ter ido a alguma celebração do tipo.

Falando em celebração, daí outro aspecto fortíssimo do casamento: o evento. Não importa o tamanho – se festa familiar com churrasco, se baile com artistas pagos a cachê de Hollywood, se na praia ou na capela, branco, vermelho ou preto – sempre se associa casamento a algo festivo, por conta daquela memória das gerações. Mesmo que tenha sido o casamento feito pelos dois sem mais ninguém e com o céu por testemunha, o imaginário romântico por si só já faz a festa.

Mas eu falei no título sobre casamentos, no plural. Sim, porque o casamento singular, aquele único com direito a vestido longo com véu de cauda, foto clássica da noiva com o noivo no estúdio do fotógrafo era o singular. Em geral, era o único, e daquele momento em diante ambos iriam viver O Casamento, não importa qual o resto do enredo. O que eu vejo hoje, e já posso adiantar que em quatro décadas de vida observei muito o casamento como um todo, é que na verdade O Casamento tem que ser plural.

Plural não significa pluralidade de eventos, do tipo “entra um e sai outro”, ou ainda o movimento frenético dos casais para vender muitas revistas de fofocas. Plural é a capacidade que O Casamento precisa ter para ser casamentos. Casamentos que tenham amor, preferencialmente: lembro que no mundo contemporâneo nem todos casam por conta deste aspecto emocional, vide os povos orientais. Casamentos por afetividade, homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher, o que seja o gênero, tem que ser plural – é novo todos os dias, pois que todos se renovam e refazem seus votos constantemente.

Casamentos felizes implicam no equilíbrio, que para existir significa momentos de alta, momentos de baixa, oscilações que não tocam o chão e tampouco tem como ambição viver nas estrelas. Casamentos tem muito mais de fila de supermercado lotado do que café da manhã com margarina da propaganda; sem falar que dividem tempo e atenção com a cama e o sofá, o romance e a planilha, o beijo e o conserto.

Casamentos vão mudando, porque o tempo nos faz mudar. A crítica passa a ser alavanca, estímulo; o elogio é bênção, dádiva. Aprendi com casais diversos o quanto a pluralidade é importante para a felicidade do convívio. Em alguns casos a pluralidade leva a novo arranjo, com outra pessoa – mas sem tirar a essência do viver bem, que é respeitar o outro que dá lugar a alguém novo, ou por vezes para ninguém.

Finalizo com uma história pessoal vinda de um casal indiano que conheci ano passado. Eles comemoravam 25 anos de casados sendo que tudo começou quando eram adolescentes, quase crianças. Ela, a mulher, falava do amor que sentia por ele mas que não foi o que os uniu. A união foi feita no dia que ela nasceu. Entretanto, aos anos que passaram ela e ele foram desenvolvendo o amor – a princípio o amor próprio, depois o amor pelo próximo e por último o amor pleno por tudo: família, filhos, sucessos, fracassos, doenças, vitórias, risadas, natureza e vida. Ela se definia “uma amante”. Ele, carinhosamente e humildemente ouvia as palavras dela e acrescentou “um amante pleno”, pois não era a metade da laranja, nem alma gêmea ou parte de alguém, mas sobretudo alguém inteiro que junto a uma mulher inteira faziam a pluralidade, pelos 25 que vieram “e os muitos outros que virão”, concluiu sorrindo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Afinal, é para dizer “saúde” depois do espirro ou não?

Acomodação ou Acomodamento?

Parábolas de gestão empresarial – autor desconhecido