A velocidade da vida

Quando chega dezembro no hemisfério sul quase sempre é tempo de sol que celebra férias escolares, férias pessoais, férias de projetos e férias de cansaço – para muitos. A primeira vez que tive ciência destas férias foi em 1970, com o fim do primeiro ano primário. Lembrei que tinha visto uma copa do mundo com o Brasil vencedor, que tinha passado de ano, conhecido pessoas algumas legais e outras nem tanto; entendi o porquê de tanta gente se referir ao “fim do ano”, já que quando se está na infância o tempo parece ser sempre o mesmo, só mudam as cores dos dias.

Ao que os anos foram passando e sucedendo a velocidade dos mesmos também acelerou. O que parecia ser longo foi-se encurtando. Além do senso pessoal do tempo veio a aceleração de fora, da tecnologia que aproximou todo mundo ao mesmo tempo agora. A carta não chega mais via correio, é online, instantânea. O passeio tem que ser rápido, e de preferência com alguma coisa nas mãos para não sentir o tempo passar – vale o celular cheio de jogos, como canso de ver. É preciso ler para não perder o tempo, correr e acelerar pessoalmente para que o fim do ano pareça ser o tempo da reflexão; mas esta reflexão não deve tomar muito tempo, algo como cinco minutos, nada além de uma meditação Express.

Há quem diga que isso se aplica aos jovens... podemos dizer que sim, considerando que todos são e sempre serão jovens – a velocidade dos tempos cobre todas as idades. Noto que, naqueles cujo aparato tecnológico de infância e juventude se resumia a um toca discos e rádio, a velocidade é tão grande quanto para quem nunca imaginou uma sociedade desvinculada de um videogame, mesmo estudando o que foi a Idade Média. Em suma, todos correm ocupando tempos.

A velocidade da vida traz também a competitividade por nada, uma modalidade curiosa que não é olímpica: é ganhar algo que nada irá reverter, como ser o primeiro a cruzar o farol aberto frações de segundo após a mudança de cor. É ganhar no grito a posição ideal das vagas no shopping center – andar até a porta nem pensar, afinal, para que é que o carro serve mesmo? (acredite, já ouvi isso) Ganhar a qualquer custo mesmo que não reverta um mísero real, mas que traga a sensação de superação sobre os outros, chegar primeiro, sair primeiro, bater o recorde de comer rápido, se possível nem comer, tome um shake que é mais prático.

No entanto, o tempo quase nada mudou. Há estudos que informam a velocidade da rotação da Terra pouco mais rápida em frações de segundo por energias do universo, forças solares, poeira estelar. Isso foi provado. A velocidade acelerada das pessoas, no entanto, nada tem a relacionar com o movimento astronômico, como gostam de esclarecer os pesquisadores – pois não foram encontradas fórmulas capazes de avaliar e repetir o fenômeno. Daí que a velocidade da vida do indivíduo é dele e do mundo que o cerca.

Aqui em Jaguariuna a velocidade é diferente da de São Paulo. Há uma lentidão, que não necessariamente significa mais tempo para desfrutar das coisas, mas uma característica da sociedade de poucos milhares de habitantes – há pouca ou nenhuma concorrência. A cidade grande acelera porque as pessoas estão aceleradas, dinamizando a velocidade cotidiana. Entretanto, não é a cidade em si que assim faz, são os seus integrantes.

No fim da análise o curioso é o que é feito da “residual”, do que foi conseguido sobrar de tempo com a velocidade dos movimentos. Observo gente que se sente triste com o fim do ano, muitos por lembrar do nostálgico passado que não necessariamente era alegre ou feliz, mas era sim, passado. E o tempo dedicado à lembrança é longo, como se na tristeza ou contemplação do que passou a velocidade fosse, por si, desacelerando... E se, no lugar da lembrança antiga viesse o sabor do novo futuro, será que poderíamos aproveitar mais lentamente, observando a paisagem pela janela do carro que passa pelos cenários mais belos – e ignorados frente a um smartphone – para perceber o movimento da vida, este sim algo que é constante e vem constantemente ao nosso encontro, como que numa saudação?

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