A Intolerância

É muito bonito poder dizer e se sentir em equilíbrio, como se as coisas da vida fossem facilmente administráveis e portanto muito óbvias de serem postas em prática. Ouço muitas pessoas dizerem do quanto as coisas são simples e acessíveis, basta querer e fazer. Tudo muito prático, quase que disponível nas gôndolas dos supermercados, basta adicionar água e estará pronto.

Mas nem sempre é assim. Aliás, diria que no cotidiano não é assim mesmo. Só se for para alguns iluminados, que conseguem ficar a maior parte do tempo em equilíbrio, bem zen. No entanto, li recentemente algo escrito por alguém (ah, perdoe minha falha em lembrar o seu nome, por favor...) que estar em equilíbrio não é exatamente alcançar o shangrilá, até porque viver em equilíbrio pode significar ausência de desafios, de novidades, ou seja, estar quase nas portas do tédio.

Isso tudo pra falar do desequilíbrio, e por conta dele nossa maior intolerância. Ficamos desequilibrados e como resultado acabamos por mostrar ao mundo o quanto somos chatos, incômodos, até mesmo detestáveis. Não somos aquela coisa maravilhosa que pretendemos ser – e fomos educados para isso, com certeza – e mostramos ao mundo o nosso lado B, oculto, intolerante, prepotente e até pecaminoso.

E somos muito intolerantes, principalmente conosco mesmos.

Aceitamos até que bem os abusos dos terceiros porque costumamos “relevar”, o que considero uma atitude sábia. Muita gente faz bobagens não para me irritar ou para irritar os outros – mas simplesmente porque não está nem aí com os outros, ensimesmado, distraído – entretanto nós temos um limiar de relevância para conosco que mais nos castiga que indulge. Somos muito críticos conosco mesmos, queremos nossa perfeição, sonhamos com a vida e a nossa postura tão lindos quanto os personagens dos comerciais de margarina e produtos matinais – engraçado isso não?

Dificilmente aceitamos que erramos, e por sinal bastante. Quando erramos agimos como se um pecado mortal tivesse caído sobre as nossas cabeças, pecado esse merecedor de uma punição ímpar – perder o sono e rolar na cama, viver angustiado, sentir-se a pior das criaturas renegadas – e assim somos desmedidamente intolerantes conosco, mas comedidamente tolerantes com os terceiros que nos rodeiam.

Aceitamos com tolerância os erros dos governantes, as decisões esdrúxulas de quem tem poder, as derrotas ridículas de nossos times, o descaso dos colegas e amigos com o mundo que nos cerca. E por esta tolerância deixamos de mostrar o que somos, nossa virulência, nossa crítica, para assim criticar a nós mesmos.

O exercício do viver bem passa por estágios probatórios, como o de ser autêntico nas suas escolhas e na expressão delas. Há momentos que expressar a raiva que sentimos de alguém faz um bem... ok, não precisa destruir a pessoa, mas vale expressar até para deixar de ser intolerante consigo mesmo controlando aquele sentimento que pede pra sair para o seu próprio bem.

Quero ser tolerante comigo para que eu possa efetivamente ser intolerante com o que é injusto, e assim ser coerente com o que acredito. Vou desagradar alguns, mas vou agradar a muitos, principalmente a quem mais me importa neste mundo, que sou eu mesma.

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