Uma história: Lavanderia

Carol está colocando as roupas na máquina. Regina chega.

- Nossa, já tá aí desde cedo mulé... vê se não pega todas as máquinas porque hoje não vai faltar serviço – diz sorrindo – passou bem de feriado ou fez extra?

Carol para de colocar as roupas, vira-se para Regina e encosta na máquina.

- Nada, menina... tô com muita dívida e não dá pra ficar morgando quando aparece serviço, ontem peguei uma casa aqui que eu nunca tinha pegado e acho que tão cedo não rola...

Regina faz expressão de curiosidade.

- Onde que você foi aqui no prédio menina? Será que eu conheço?

- Conhece sim, é a moça que você já viu vindo aqui com as roupas pra lavar, é uma morena que tem cachorro...

Regina se exalta.

- Menina, você foi limpar a casa dela? Como é que ela foi te chamar, porque do que eu sei ela nunca chama faxina...

- Então, verdade que eu fui porque ela ia precisar sair, na verdade ela nem falou muito, mas eu percebi que ela mesma cuida da casa, também ela mora sozinha só com o cachorro e nem dá muito serviço. Ela me chamou porque eu faço outra casa e o seu Roberto é que me indicou ela; e olha como o mundo é pequeno: ela soube que eu também limpo aqui, daí ela me ligou e pimba.

Regina fica ainda mais curiosa.

- Quem que é esse seu Roberto?

- Ah, ele é um sozinho que eu faço a casa dele já tem um tempo sabe... é apartamento bem maior que os daqui mas dá pra resolver até que rápido... fazer casa de homem tem isso de bom né, não precisa caprichar demais porque eles não reparam mesmo, onde você tem que caprichar é no passar roupa e tirar o que tá muito na cara né... – faz o gesto de um círculo com a mão, chega mais perto de Regina e fala como que cochichando.

- Mas eu acho que ele é sozinho mas tá sempre pegando mulherada sabe... é um tal de computador ligado que ele fica conversando com umas moças... eu já percebi que vira e mexe tem gente lá, principalmente no fim de semana. O rapaz da rua me falou que tem dia que a casa dele fica cheia de mulher.

- Isso é bom né, pelo menos você sabe que tá lidando com homem mesmo, tem uns caras que eu faço casa que eu tenho certeza que gostam da fruta – Regina faz uma quebra do pulso.

- Agora a casa desta moça que eu fiz ontem foi bem facinho sabe? Ela saiu e levou o cachorro, tirei de letra.

- Quando você faz a casa assim rapidinho é bom que dá pra ir embora logo né? – diz Regina, pegando o saco de roupas sujas e a caixa de sabão.

Carol desencosta da máquina e chega mais perto da amiga.

- Olha, vou te contar uma coisa... tem dias que eu faço tudo logo pra ter tempo de investigar, sabe? – abaixa o tom da voz – ontem mesmo eu terminei logo mas fiquei lá no quarto dela olhando as coisas.

Regina olha com ar confuso.

- Ela é dona aqui?

- Do que eu sei é alugado, mas é engraçado que não tem cortina, mas o jogo de lençol que ela deixou pra colocar depois de limpar... menina, era egípcio, macio que dá até dó de por pra lavar na máquina. Aliás, ela não deixou roupa pra lavar na máquina, quando eu cheguei já tava tudo estendido do dia anterior, só precisei tirar e dobrar sabe?

Regina para de mexer com as roupas e encosta na máquina.

- Mas é rica esta mulher? Foi casada? Tem filho?

- Sabe que eu reparei que não tem fotografia de ninguém na casa dela, nem no armário da sala, que é cheio de comida de cachorro, fede... eu mexi nuns papéis dela mas era tudo documento. Eu adoro ver álbum de fotografia, sempre que dá dou um jeito de achar algum nas casas pra ver como era a cara das pessoas. Na casa do seu Roberto é diferente, ele colocou uma foto daquelas velhas de família que é a coisa mais bonita, parece as que a minha mãe tem em casa tiradas lá no norte, todo mundo junto. Ele é o pequenininho da família, branquinho... Mas eu sei que ele foi casado e tem uns filhos grandes, mas na casa dela não achei nenhuma fotografia, vai ver que ela foi casada e pôs fogo nas fotografias pra num lembrar do homem né... – risadas.

- Na minha casa não costumo deixar fotografia aparecendo porque o pastor falou muito da coisa da idolatria... – Regina faz um ar de reprovação.

- Na casa desta moça de ontem o que tem é o diploma dela na sala, bonito, emoldurado, tem um negócio dourado, coisa de gente fina. Eu acho que ela deve ser estudada, e quem é estudado sempre tem mais dinheiro que a gente. Vai ver que ela gasta tudo comprando roupa e não tira fotografia!

Uma moradora entra na lavanderia.

- Bom dia, dá licença?

As duas respondem em voz baixa.

- Bom dia.

Enquanto a moradora coloca as roupas na máquina, as duas voltam a mexer nas roupas, em silêncio. A moradora fica dois minutos e sai.

- Esta aí hoje até que não foi tão grossa, precisa ver quando ela chega espevitada.

- Normal, tô acostumada com esta mulherada mal resolvida que se acha...

- Olha, ontem na casa desta moça eu quase que tirei um cochilo na cama dela... cama macia, daquelas que tem um colchão em cima do outro e uma camada fofinha em cima, muito lindinha – volta a falar baixo – mas ela tem dois travesseiros, sinal que deve vir alguém pra dormir com ela né?

Regina dá risada.

- Ai, vai dizer que você acha que rico dorme com um travesseiro só? Isso não é nada, tenho casa de homem sozinho que bota cinco travesseiros, um no meio das pernas, outro de ladinho... é meio coisa de boiola mas tem. Mas ô mulé, como é que você fica mexendo na casa dos outros, assuntando, nunca ninguém te pegou mexendo? Podem achar que você tá é roubando! Fica esperta!

Carol meneia a cabeça e pisca.

- Imagina, sou descolada... fico de ouvido fino pra qualquer barulho, nem ligo rádio quando tem pra escutar tudo. Ouço os vizinhos, cada coisa! Eu adoro fuçar na casa das pessoas, e cada casa conheço de verdade como é que a pessoa é. Desta moça do cachorro o que eu percebi é que ela não é bagunçada nem gastona, a geladeira tava arrumada, com pouca coisa e nada que estragava. Ela também não é daquelas que tem um monte de cosmético espalhado que atrapalha na hora de limpar banheiro, tá tudo numa caixa embaixo da pia, mas é tudo cosmético importado, acho que ela é fina.

- Vai ver que os namorados dão de presente... – insinua Regina.

- Pode ser, mas o que lá tem de monte é livro, de tudo quanto é tipo, livro de inglês, livro de como caçar homem, livro até de umbanda e Exu, estes eu não gosto nem de pegar pra limpar. Na casa do seu Roberto também tem umas coisas assim meio esquisitas... não gosto não.

- De que tipo?

- Vela acesa.

- Ah, isso é normal. Minha filha tá acendendo vela direto na novena pra arrumar emprego, quando ela esquece eu sou a primeira pra lembrar que tem que acender a vela.

- Pode ser. Mas eu vou te falar... adoro fuçar nas casas. Acho até que o que eu mais gosto nisso de fazer limpeza é que depois sempre dá tempo de saber das pessoas pelas coisas que eu vejo na casa...

Regina encara a amiga enquanto fecha a tampa da máquina e aperta o botão pra começar a lavagem.

- Colega, acho que você tá é boa de entrar pra polícia, vai ser detetive pra investigar a vida dos outros e ainda ganhar pra isso...

Carol olha a colega e responde com uma risada.

- Ou eu pego e escrevo um livro contando as histórias das pessoas e das casas, não é que ia dar um livro daqueles bem bons? Me espera que eu ainda faço sucesso! Deixa eu voltar pra casa e acelerar pra ter meu tempinho de investigadora colega.

- Vai com Deus menina, e cuidado com o que você vai encontrar – finaliza Regina.

- Deixa comigo, outra hora vou ter mais história pra te contar amiga, tenha um bom dia! – finaliza Carol.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Afinal, é para dizer “saúde” depois do espirro ou não?

Acomodação ou Acomodamento?

Parábolas de gestão empresarial – autor desconhecido