Dá para controlar cachorro e criança?
Respondendo de bate pronto dá
sim. Está longe de ser tarefa impossível, o que não significa ser tarefa fácil.
Pelo contrário, diria que é uma das tarefas mais trabalhosas porque implica em
entender linguagens para esclarecer sem agredir, até porque não há aprendizado
com agressividade – neste caso o que se assimila é medo generalizado, que não
rima com o desenvolvimento.
Para começar, recomendo ler muito
a respeito tanto de crianças (sejam bebês, meio crescidinhas, crescidas e
adolescentes) e cachorros. Gatos também captam nossa mensagem, mas são um
pouquinho mais resistentes. Falo em ler para aprender a parte teórica, que
explica as razões de certos comportamentos; sei que tem quem diga que só a
prática ensina, mas pelo tanto de gente que sofre cotidianamente seja com
filhos berrando ou cachorros ladrando, creio que só “na raça” não garante o
sucesso.
Depois vem a parte hard, a
aplicação da teoria. O que ajuda e muito nesta tarefa é a humildade, perceber
que você sabe pouco sobre o outro, seja cão ou criança. O que se passa no
íntimo deles dificilmente você será capaz de entender por mais que, no caso do
humano, exista a linguagem. Pense bem: quantas vezes você se expressou achando
que estava sendo claro e compreendido, e notou que não era verdade? A linguagem
entre humanos é complexa, cheia de sutilezas, imagine como também a é para quem
não sabe falar direito...
O canal de comunicação que melhor
funciona costuma ser o amor, o afeto e a atenção. Um cachorro aprende
rapidamente que latir muito desagrada ao tutor, pai ou mãe (dono é uma palavra
que não comunica bem o sentimento de quem tem um animal, ou você consideraria
normal seus pais dizerem ser “seus donos”?) pela percepção de um olhar terno, de
um abraço afetuoso e do carinho da rotina do dia a dia. A criança, mesmo
bebezinha, tem a mesma carência, quer colo, confiança, carinho e calor. Para
isso, palavras não são adequadas: ações terão efeito bem mais percebido.
Mas o que fazer quando estamos
com pressa, cabeça quente, dificuldade em lidar com uma situação que nos deixa
incomodados, como o choro do bebê descontrolado, o cão em pânico por conta de
trovões, o gato assustado com um motor engrenado? Nesta hora, falemos a
verdade, nossas emoções de medo atravessam a frente e fazem com que tenhamos
atitudes pouco recomendadas: mostrar agressividade ou tentar controlar
desesperadamente. Ambas são extremos de uma corda, e a chance da corda romper,
nestes casos, é grande.
Outro dia acompanhei a mãe de um
menino que chorava muito no aeroporto enquanto aguardava o embarque. Ele
certamente não tinha dormido, estava incomodado com tudo: fora de casa, lugar
estranho, gente esquisita. Do alto dos seus quatro anos o novo ainda era um
vilão, e com sono pior ainda. A mãe optou por manter a calma, e falar docemente
com o menino, ao mesmo tempo que calmamente o tirava do espaço aberto da sala
de embarque. Levou até o bebedouro, abaixou-se para falar com ele olhando nos
olhos e na mesma altura da criança. O menino ainda choramingou por menos de um
minuto e foi se acalmando. Dali a uns dez minutos voltou, deitou no colo da mãe
e descansou enquanto aguardava sua viagem.
Em casos como estes vejo duas
formas ineficazes de resolver: uma, menos comum, é dar uma bronca daquelas na
criança, soltar o verbo e deixá-la morrer de vergonha perante os outros (que
gera medo e assusta, associando viagem a um momento de terror) ou a segunda,
muito comum, fingir que não está acontecendo nada e acreditar que todos irão
entender a situação naturalmente (que significa para a criança que não há
limites no mundo e ela pode fazer tudo, gravando esta mensagem para o futuro).
E os animais que fazem barulho,
latem demais, incomodam? Fato é que com eles a linguagem muda porque eles não
irão “responder” o porquê de suas inseguranças, receios e desconforto. Eles vão
expressar corporalmente o que incomoda, mas você terá de repetir o que ele faz
corporalmente? Não. Terá que pensar um pouco como ele está a sentir a situação,
como dizem os especialistas em comportamento animal. Depois irá calmamente
falando com o bichinho, firmando o olhar (que não é para bater, quando falamos
em ser firmes em atitude), e se preciso for isole-o, leve para outro local da
casa, evite que incomode as pessoas.
O momento de educar nunca é na
hora da crise, mas no composto do tempo de convivência. No dia a dia, expresse
afetividade, evite ironias, deboches, situações que fazem a piada ser da pessoa
ou do animal, e não junto para que ambos se divirtam (sim, animais se ofendem
quando são ridicularizados, saiba disso). Construa a educação todos os dias,
crie hábitos e familiarize crianças e animais com os protocolos sociais. Em
países da Europa, onde é comum ter animais em restaurantes (eu particularmente
acho que não combina, assim como cama não é lugar de bicho no meu entendimento –
e olha que eu adoro um pet!) os bichos ficam na deles, quietos, sem parecer que
estão a morrer de fome ou doidos para socializar destruindo tudo. O mesmo vale
para crianças de toda idade, que num lugar público sabem que estão seguindo
regras e devem aceitá-las para terem uma boa aceitação social.
Para quem acha que é impossível
porque “devia ter começado cedo”, a dica é começar agora, porque a qualquer
momento podemos começar novos hábitos e posturas, tanto nós mesmos quanto com
nossos entes queridos, quadrúpedes ou não. Garanto que tanto criança quanto
cachorro educado com amor e segurança sentem-se mais amados e aceitos, vivendo
plenamente a vida. E lugar de animal selvagem é na natureza.
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